A fidelidade a um sistema familiar, ou a um grupo, transcende a relação direta da experiência nesta vida. Ela acontece também de forma transgeracional.
Bert Hellinger disse que refletiu durante muito tempo sobre o que determina se a pessoa se sente com boa ou má consciência, porque percebeu que a consciência não está ligada ao bem ou ao mal.
Até que ele teve um insight. E isso determinou o desenvolvimento de todo o seu trabalho com as ordens do amor, porque isso está ligado ao pertencimento, que é a primeira lei sistêmica.
Esse senso de pertencimento é causador da maior parte dos conflitos, tanto no nível dos relacionamentos interpessoais, quanto nos maiores conflitos da humanidade. Para pertencer, a pessoa necessariamente é obrigada a excluir, porque precisa se identificar com o grupo, precisa se vincular ao grupo. E ao pertencer a um grupo, ela precisa excluir os outros grupos.
Para fortalecer o seu vínculo, ela é capaz de discriminar, de rejeitar os outros, de considerá-los piores. Todo vínculo da boa consciência, que vincula o indivíduo ao seu grupo, é perigoso.
A boa consciência, nesse sentido, é perigosa, porque a pessoa exclui a boa consciência da outra pessoa em relação ao outro grupo. Hitler fez isso. O nazismo cresceu com base nesse sentimento de boa consciência, de orgulho ariano, de ser alemão, e esse orgulho gera um sentimento de superioridade de um determinado povo contra outros, e a partir daí a crença no direito de destruir, de exterminar os outros.
Vemos isso acontecendo na política. Essa polarização é isso: a pessoa se identifica com força, veste a camisa e diz “agora eu sou desse time”. Acontece com time de futebol também. Se olharmos para isso com serenidade, é uma coisa que parece insana, não é mesmo? A pessoa querer excluir os outros porque não estão do mesmo lado.
E é claro que isso se repete, porque deixa marcas profundas. No caso da segunda guerra mundial, por exemplo, as pessoas que foram assassinadas, que sofreram as consequências do nazismo, ficaram marcadas pelo medo da exclusão, pelo medo do extermínio.
E o que esse medo de extermínio faz? Mais necessidade de pertencimento. A tendência é que elas se unam, e formem um grupo fechado, para se proteger. É uma reação natural, um instinto de sobrevivência.
Hoje a grande maioria das pessoas que vivem no Estado de Israel não são mais pessoas que estavam ali presentes durante a segunda guerra, que sofreram diretamente. São filhos, netos, bisnetos dos sobreviventes.
Acontece que permanece aquela marca, aquele medo da exclusão, o medo do extermínio, sentido pelos antepassados. Então, em nome disso, as pessoas às vezes se sentem no direito de exterminar os outros. “O ataque é a melhor defesa”. E isso tende a se repetir.
Estou dando um exemplo bem extremo, bem grave, na história da humanidade, mas os conflitos entre muitos povos repetem a mesma dinâmica. E a tendência é de o oprimido virar a mesa, e, pela sobrevivência, dizer “temos que acabar com eles”.
É a mesma justificativa da legítima defesa. Só que já não são mais as mesmas pessoas. Aquilo já passou, e a dinâmica continua, e se perpetua, porque amanhã serão os outros, que estão sendo oprimidos hoje, que irão querer oprimir também.
Vemos isso acontecer também entre homens e mulheres. O feminismo é uma reação, também, a um tempo de opressão. Existe essa identificação, essa boa consciência, entre as mulheres. A mulher pensa “eu também sou mulher, eu tenho que lutar por muitas, não é só por mim”. É pela identificação ao grupo. Só que isso separa, e também provoca conflitos.
(Trecho de uma aula com Sami Storch)
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