"Otimismo é esperar pelo melhor. Confiança é saber lidar com o pior." Roberto Simonsen

sábado, 22 de fevereiro de 2025

A dor oculta que perpetua alguns conflitos de divórcio

 Em casos de divórcio em que os conflitos perduram por anos, e ninguém sabe como resolvê-los… Aqueles em que já foi realizado o divórcio, feita a partilha de bens, resolvida a guarda dos filhos, alimentos, mas ainda assim a briga continua… O processo já foi julgado, mas houve recurso, pedido de rescisão…


Ainda há algo se opondo. Alguém não permite que se resolva a situação.


Afinal, onde está o problema?


Normalmente, o problema não está nos autos. Ele está naquilo que não está sendo visto. Ele vem, por exemplo, de uma mágoa que a pessoa carrega, por conta de algo que está oculto.


Por exemplo: o casal não teve filhos, e tem muita dificuldade para se separar. A mulher insiste que deve receber mais na partilha, sente-se injustiçada, e não há matemática racional que resolva. O que pode estar acontecendo? Então, na Constelação, fica visível que o marido não queria ter filhos, mas ela sim.


Mesmo ciente de que ele não queria ter filhos, ela concordou em casar-se com ele, porque estava apaixonada. Abriu mão, renunciou à maternidade. Ficaram alguns anos juntos, a mulher passou da idade de ter filhos, até que chega um momento em que ela sente que o relacionamento está desequilibrado. E não o perdoa, embora não saiba o porquê.


Ela renunciou a algo tão essencial… Não que seja obrigatório ter filhos, mas, se ela queria ter filhos, isso é algo que tem um valor imensurável. Essa renúncia de ter filhos não se compra com uma casa, com carro, com pensão. Como ele poderia compensá-la por ter renunciado à possibilidade de ter filhos?


Ela desistiu de ter filhos por um casamento que não deu certo. Sua cobrança, portanto, será alta. Não se trata só de dinheiro. Então, como resolver?


É necessário reconhecer. O único caminho é reconhecer. Nesse exemplo, o homem deve olhar para a mulher e dizer: “Eu reconheço o grande preço que você pagou. Você renunciou a algo muito importante. Se eu tivesse noção, não teria admitido. Eu não tinha noção do tamanho disso, da grandeza disso.”


Obviamente, se ele soubesse, se ela soubesse, talvez ambos tivessem feito diferente. Mas a vida é assim: às vezes não tem como voltar atrás. Às vezes tudo o que se pode fazer é uma reverência, um profundo reconhecimento, dizendo: “Eu nunca vou conseguir pagar por isso. Eu agora olho para a sua dor. Agora eu reconheço a sua dor. Eu sei que isso não tem preço. Sinto muito.” Quando ele diz isso, ela provavelmente chorará bastante, porque agora sua dor está sendo reconhecida por ele.


Então, ela percebe que não adianta cobrar algo que ele nunca conseguirá pagar.


(Texto extraído do curso online Direito Sistêmico e as Constelações Familiares na resolução de conflitos, com o Dr. Sami Storch)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A força oculta que leva à exclusão do “outro”

 A fidelidade a um sistema familiar, ou a um grupo, transcende a relação direta da experiência nesta vida. Ela acontece também de forma transgeracional.


Bert Hellinger disse que refletiu durante muito tempo sobre o que determina se a pessoa se sente com boa ou má consciência, porque percebeu que a consciência não está ligada ao bem ou ao mal.


Até que ele teve um insight. E isso determinou o desenvolvimento de todo o seu trabalho com as ordens do amor, porque isso está ligado ao pertencimento, que é a primeira lei sistêmica.


Esse senso de pertencimento é causador da maior parte dos conflitos, tanto no nível dos relacionamentos interpessoais, quanto nos maiores conflitos da humanidade. Para pertencer, a pessoa necessariamente é obrigada a excluir, porque precisa se identificar com o grupo, precisa se vincular ao grupo. E ao pertencer a um grupo, ela precisa excluir os outros grupos.


Para fortalecer o seu vínculo, ela é capaz de discriminar, de rejeitar os outros, de considerá-los piores. Todo vínculo da boa consciência, que vincula o indivíduo ao seu grupo, é perigoso.


A boa consciência, nesse sentido, é perigosa, porque a pessoa exclui a boa consciência da outra pessoa em relação ao outro grupo. Hitler fez isso. O nazismo cresceu com base nesse sentimento de boa consciência, de orgulho ariano, de ser alemão, e esse orgulho gera um sentimento de superioridade de um determinado povo contra outros, e a partir daí a crença no direito de destruir, de exterminar os outros.


Vemos isso acontecendo na política. Essa polarização é isso: a pessoa se identifica com força, veste a camisa e diz “agora eu sou desse time”. Acontece com time de futebol também. Se olharmos para isso com serenidade, é uma coisa que parece insana, não é mesmo? A pessoa querer excluir os outros porque não estão do mesmo lado.


E é claro que isso se repete, porque deixa marcas profundas. No caso da segunda guerra mundial, por exemplo, as pessoas que foram assassinadas, que sofreram as consequências do nazismo, ficaram marcadas pelo medo da exclusão, pelo medo do extermínio.


E o que esse medo de extermínio faz? Mais necessidade de pertencimento. A tendência é que elas se unam, e formem um grupo fechado, para se proteger. É uma reação natural, um instinto de sobrevivência.


Hoje a grande maioria das pessoas que vivem no Estado de Israel não são mais pessoas que estavam ali presentes durante a segunda guerra, que sofreram diretamente. São filhos, netos, bisnetos dos sobreviventes.


Acontece que permanece aquela marca, aquele medo da exclusão, o medo do extermínio, sentido pelos antepassados. Então, em nome disso, as pessoas às vezes se sentem no direito de exterminar os outros. “O ataque é a melhor defesa”. E isso tende a se repetir.


Estou dando um exemplo bem extremo, bem grave, na história da humanidade, mas os conflitos entre muitos povos repetem a mesma dinâmica. E a tendência é de o oprimido virar a mesa, e, pela sobrevivência, dizer “temos que acabar com eles”.


É a mesma justificativa da legítima defesa. Só que já não são mais as mesmas pessoas. Aquilo já passou, e a dinâmica continua, e se perpetua, porque amanhã serão os outros, que estão sendo oprimidos hoje, que irão querer oprimir também.


Vemos isso acontecer também entre homens e mulheres. O feminismo é uma reação, também, a um tempo de opressão. Existe essa identificação, essa boa consciência, entre as mulheres. A mulher pensa “eu também sou mulher, eu tenho que lutar por muitas, não é só por mim”. É pela identificação ao grupo. Só que isso separa, e também provoca conflitos.


(Trecho de uma aula com Sami Storch)